terça-feira, junho 16, 2009

ENFERMAGEM: DOCÊNCIA DO ENSINO SUPERIOR II

Sandra de Souza Lima RochaI; Vanda Elisa Andres FelliII
IEnfermeira, Professor Doutor do Centro Regional Universitário do Espírito Santo do Pinhal-CREUPI, e-mail: sandrarocha@terra.com.br IIEnfermeira, Professor Doutor da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, e-mail: vandaeli@usp.br


RESUMO
O estudo aborda a qualidade de vida no trabalho-QVT-docente de enfermagem, tendo como objetivo conhecer o significado e os processos desgastantes e potencializadores da QVT, geradores de seu perfil saúde-doença. O referencial teórico foi aquele da determinação social e a análise de conteúdo das entrevistas. QVT tem como significado marcante as condições de trabalho, identificação profissional e relacionamento interpessoal. No perfil saúde-doença os fatores desgastantes sobrepõem-se aos fatores potencializadores.
Descritores: enfermagem; qualidade de vida; saúde ocupacional; doenças ocupacionais
ABSTRACT
The research deals with the quality of life at work - QLW of nursing teachers. The main goal is to point the meanings and the extenuating and enabling QLW processes, generating the health-sickness profile. The theoretical background was constituted by social determination and by content analysis of the interviews. QLW mainly means working conditions, professional identification and interpersonal relationship. In the health-sickness profile, the extenuating factors exceed the enabling factors
Descriptors: nursing; quality of life; occupational health; occupational diseases
RESUMEN
El estudio aborda la calidad de vida del docente de enfermería (Calidad de Vida del Trabajador). Tiene como objetivo conocer el significado y los procesos desgastantes y potencializadores de la Calidad de Vida del Trabajador, generadores del perfil salud-enfermedad. El referencial teórico fue la determinación social y el análisis de contenido de las entrevistas. La Calidad de Vida del Trabajador tiene como significado marcante las condiciones de trabajo, identificación profesional y la relación interpersonal. En el perfil salud-enfermedad, los factores desgastantes se sobreponen a los factores potencializadores.
Descriptores: enfermería; calidad de vida; salud ocupacional; enfermedades ocupacionales


INTRODUÇÃO
Qualidade de vida é uma expressão de difícil conceituação, tendo em vista o seu caráter subjetivo, complexo e multidimensional. Ter qualidade de vida depende, pois, de fatores intrínsecos e extrínsecos. Assim há uma conotação diferente de qualidade de vida para cada indivíduo, que é decorrente da inserção desse na sociedade.
Embora a Constituição Brasileira disponha como direito a cidadania e o trabalho, o agravamento da crise social não tem permitido o exercício pleno desse direito(1).
De acordo com a concepção histórico-dialética da realidade(2), o trabalho é concebido como uma atividade humana voltada para um fim.
O trabalho de enfermagem, apreendido como processo, pode ser decomposto em: objeto, meios e instrumentos, e o trabalho em si(2). Na enfermagem, o objeto de trabalho a ser transformado é corpo humano individual ou coletivo em suas demandas no processo saúde-doença(3). Os meios e instrumentos são o saber e os equipamentos para o diagnóstico e terapêutica, assim como a força de trabalho é obtida através de seus agentes: enfermeiros, auxiliares e técnicos, e o trabalho em si inclui as formas de organização, divisão e relações no trabalho.
As relações no trabalho de enfermagem diferenciam-se de acordo com o processo de trabalho realizado e, assim, o trabalho docente. O ensino é tomado como um processo intelectual e, por isso, mais privilegiado quando comparado com o processo de cuidar, pois as condições de trabalho (jornada, horário de trabalho, salário) são percebidas pelos enfermeiros como mais favoráveis.
Porém, tanto no processo de trabalho assistir em enfermagem, como no processo de trabalho ensinar, é reproduzida a inserção da mulher na sociedade, uma vez que, em ambos os processos, essas atividades são tidas como "femininas"(4).
Todo trabalho é gerador de fatores desgastantes e potencializadores, que são determinantes dos processos saúde-doença vivenciados pelos trabalhadores e da Qualidade de Vida no Trabalho - QVT.
A saúde é concebida como um processo, com caráter histórico e social, cuja natureza se encontra no modo de adoecer e morrer, caracterizando determinados grupos sociais.
Nesse referencial(5), o conceito do processo saúde-doença é a resposta produzida nos diferentes grupos sociais pela exposição aos riscos (fatores desgastantes) e potencialidades (fatores favoráveis), que manifesta diferentes perfis ou padrões de saúde-doença. A Qualidade de Vida - QV - de cada grupo é determinada pela forma como esse se reproduz socialmente(6).
O processo saúde-doença é gerado em dois momentos: o "momento produtivo" e o "momento de consumo". O primeiro refere-se ao processo de trabalho, acrescido de todas as relações que nele se desenvolvem e o segundo refere-se à vida social, cultural e aos valores do indivíduo(7).
Os estudos (4,8) realizados sobre esta temática abordam o momento produtivo.
O momento produtivo - ensinar - gera tensões e também satisfação pessoal(8). As tensões foram vinculadas à ausência de mecanismos de mediação nas relações entre alunos e professores; à desmotivação do aluno no aprender; à privatização do ensino, entre outras. O autor(8) aponta a contraposição entre fatores estressantes e fatores motivadores, nesse último está inclusa a relação emocionalmente afetiva com alunos, colegas e funcionários, o prazer em ensinar e correr riscos, a superação das dificuldades e o crescimento dos alunos. Se por um lado as dificuldades encontradas no trabalho docente constituem fatores desgastantes para esse trabalhador, por outro, a satisfação em ensinar é potencializadora da QVT.
Especificamente no ensino de enfermagem, foi realizado um estudo em 1977, onde a autora(8) pesquisa a fadiga dos docentes de enfermagem. A "fadiga própria" é resultante de um trabalho normal, recuperável após um repouso no intervalo entre grandes jornadas de trabalho diário. Já a "fadiga imprópria" segue os parâmetros da própria, mas o repouso não é suficiente para compor as energias perdidas. Neste estudo(8), o trabalho se encontra nos limites dos parâmetros que determinam a fadiga imprópria, sendo apontada a necessidade dos docentes conhecerem e divulgarem as causas, os efeitos e a prevenção desses fatores, inclusive a seus alunos. Assim, a escassez de literatura sobre essa temática e a intenção de melhor compreender os processos protetores e destrutivos, referidos ao momento produtivo, no processo de trabalho de enfermagem ensinar, nos motivou à realização deste estudo, que teve por objetivos: - caracterizar os docentes de enfermagem quanto aos dados pessoais e profissionais; - conhecer o significado de qualidade de vida no trabalho para o docente de enfermagem, captando os processos desgastantes e potencializadores da QVT, no momento de trabalho, geradores de seu perfil saúde-doença.

MÉTODO
A intenção de apreender o significado da QVT e seus determinantes, percebidos pelos enfermeiros docentes, implica utilizar uma dada forma de captar os dados de uma realidade e de submetê-los à análise. Assim, elegemos o referencial teórico da determinação social(6) e a análise de conteúdo(7), para olhar essa realidade e compreendê-la.
O cenário deste estudo é o Curso de Enfermagem da Universidade Católica de Santos - UniSantos, que iniciou suas atividades em 1985. Trata-se de um curso semestral, com vestibular e matrícula anuais, duração de quatro anos e funcionamento no período matutino ou vespertino, atualmente com carga horária de 4240 horas.
Constituem sujeitos desse estudo todos os docentes enfermeiros que desenvolvem atividades de ensino no ciclo profissionalizante, totalizando 15. Como critérios para inclusão dos sujeitos, consideramos o fazer parte do quadro regular de docentes do curso e ter exercido atividade docente em período igual ou superior a cinco anos.
Utilizamos a entrevista estruturada como instrumento para a captação dos dados, segundo as categorias empíricas pré-definidas do referencial teórico(6-7) adotado para o estudo. A coleta de dados foi agendada previamente com cada docente. Os dados foram coletados no período de 02 a 17 de agosto de 2001. A entrevista foi gravada e, posteriormente, transcrita para possibilitar a análise dos dados, orientada pela análise de conteúdo(9), e as categorias eleitas foram buscadas na matriz conceitual breilhiana(9). Os dados foram discutidos segundo os dados pessoais e profissionais dos docentes, o significado que atribuem à QVT, os processos favorecedores e desgastantes que evidenciam o perfil saúde-doença desse grupo.
Os princípios éticos que norteiam a realização de pesquisa foram seguidos, sendo que todos os docentes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
A discussão referente aos dados pessoais e profissionais evidenciou que os sujeitos do estudo foram 15 docentes, assim caracterizados: quanto ao sexo, treze (13) docentes são mulheres e dois (02) homens. Em relação à faixa etária, 08 docentes têm de 33 a 40 anos, 05 têm de 41 a 45 anos, um docente tem 54 anos e outro docente tem 61 anos. Todos se formaram em universidades do Estado de São Paulo. A experiência profissional centrada na atividade docente é ampla, a maioria com 06 a 18 anos de vinculação acadêmica (n:14). Todos cursaram pós-graduação lato ou estrito senso, a maioria apresenta mais de uma especialização. Dois possuem mestrado, um doutorado e oito professores estão regularmente inseridos no programa de mestrado. Predomina no grupo a contratação por hora-aula de trabalho - regime horista (n:14), apenas um professor se encontra em regime de dedicação integral de 40 horas. As atividades administrativas e de ensino são realizadas concomitantemente, sendo que existem professores que trabalham em outras instituições de saúde e ensino.
Assim, os sujeitos do estudo são majoritariamente do sexo feminino, o que nos reporta à inserção histórica da mulher na sociedade, o que também ocorre no trabalho docente(4). Assim, esse papel é reproduzido, tanto como enfermeira, como docente.
O fato de a maioria encontrar-se na faixa etária entre 33-45 anos (n:13), nos permite inferir que é um grupo maduro profissionalmente, considerando que tem uma experiência acadêmica entre 06 e 18 anos.
O regime horista é o predominante na instituição estudada; essa forma de contratação dificulta o exercício da docência e a realização efetiva da pesquisa. Um estudo(10) acerca da prática docente na universidade aponta o sistema de contratação de professores por horas-aula como um elemento dificultador do competente exercício profissional.
No conjunto, esses traços apresentados apontam para um grupo qualificado, vinculados à área de ensino, com investimentos no aprimoramento profissional. Nessas condições socioculturais, o grupo produziu conteúdos cognitivos relativos à QVT docente.
As concepções dos docentes a respeito da QVT são expressas na Tabela 1.
Nas falas docentes acerca da definição de QVT, o percentual mais expressivo aparece nas "condições de trabalho" (16,28%), inclusos os aspectos materiais e de cunho pedagógico. Em um seminário(10), onde foi debatido o processo da docência no terceiro grau, os compromissos filosóficos e políticos do docente, a docência no ensino do terceiro grau, a instrumentalização para a prática do ensino, a avaliação, a pesquisa só são passíveis de se concretizar a partir do investimento institucional. Esses fatores reforçam a relevância das condições de trabalho, na QVT desse grupo, e acrescentam ainda a respon-sabilidade da Instituição em sua efetivação.
Nas subcategorias "remuneração", "relacionamento interpessoal" e "identificação profissional", obtivemos 13,95 % das respostas.
A situação econômica do professor, devido à ausência de uma política coerente, tem ocasionado freqüentes distorções salariais gerando insegurança e incertezas.
Os aspectos de "relacionamento interpessoal" (amizade, ambiente saudável, aceitabilidade no grupo) e "identificação profissional" (fazer o que gosta e se sentir bem) já foram objetos de análise de outros autores que construíram instrumentos para medir a QV, como na escala psicométrica(11), ratificando, assim, a presença desses indicadores na definição de QVT.
O percentual mais baixo (2,40%), observado na Tabela 1, encontra-se na categoria de "autodesenvolvimento", onde o Entrevistado 8 - E8 - relata:
(...) uma palavra de incentivo, de apoio, e que pode ser manifestada de outras formas: facilitar a participação em congressos(...).
A fala expressa a necessidade de um incentivo institucional como alavanca propulsora para o desenvolvimento pessoal.
Intrigou-nos o fato dos docentes não se referirem à saúde como geradora da QVT. Sendo o trabalho determinante do processo saúde-doença, e o grupo de estudo trabalhadores de saúde. Esperávamos esse apontamento quando da concepção de QVT.
As condições potencializadoras para a QVT, apontadas pelos docentes desse estudo, são visualizadas na Tabela 2.
Na Tabela 2 verificamos condições institucionais que otimizam o trabalho docente, a identificação com esse trabalho, o relacionamento com o grupo seguido de uma remuneração considerada justa como indicadores mais expressivos na definição de QVT entre os profissionais desse grupo de docentes da enfermagem.
Nos relatos que referem às condições potencializadoras para a QVT, o achado mais marcante encontrado foi o "investimento na capacitação docente", que representa 26,67% das respostas. Os docentes valorizam o fato da instituição implantar um curso de mestrado na própria universidade.
Nessa categoria, o "perfil da instituição" aparece em 20% das falas. Nesse núcleo, estão contemplados aspectos que se relacionam às interações verbalizadas pelos sujeitos da pesquisa relativas à instituição. Percebemos que, em todos os depoimentos, as relações parecem ser simétricas, ou seja, os diferentes níveis hierárquicos são mantidos de maneira horizontalizada, conforme fica evidenciado nos depoimentos de E1 e E14 respectivamente:
(...) o nosso tipo de instituição com uma característica bastante familiar, (...) liberdade porque a direção que agora está confia no meu trabalho.
Ao discorrer sobre as falas do perfil da instituição, inferimos que o ambiente de trabalho oferece condições para um bom desempenho profissional, que reverterá em melhor qualidade de vida e de trabalho. Com o mesmo percentual de 20%, encontramos o "relacionamento profissional", ou seja, a interação profissional que conduz ao desenvolvimento do pensamento reflexivo, o prazer de criar e recriar coisas e, também, a valorização de si mesmo pelos outros(12), condições potencializadoras da QVT.
Em síntese, as condições potencializadoras de QVT, evidenciadas em maior escala, foram o investimento na capacitação docente, seguido pelo perfil da instituição e pelo relacionamento profissional.
As condições desgastantes para a QVT docente são expressas na Tabela 3.
A Tabela 3 nos apresenta as condições consideradas desgastantes no desenvolvimento da QVT, a subcategoria que se referia ao "regime de trabalho" destacou-se das demais com 30,77%. Na fala de E11:
(...) a gente tem uma jornada de trabalho que não te permite maiores estudos, um tempo de estudo, um tempo de se reciclar.
Verificamos que a hora-aula dificulta o crescimento profissional.
O problema das universidades particulares é que os docentes são contratados prioritariamente no regime de trabalho "horista", não lhes restando tempo para participarem de uma discussão conjunta sobre o curso, o currículo, o atendimento ao aluno, à pesquisa ou à capacitação, culminando tudo isso com o próprio isolamento do docente.
Com o percentual de 11,54 encontramos quatro subcategorias: "relação teoria/prática", "interferência na vida familiar", "remuneração" e "aspectos didático-pedagógicos" que serão analisados na seqüência.
Os mesmos docentes que ministram a teoria são responsáveis também pela prática, no entanto a desarticulação entre ambas foi evidenciada. Os fatores apontados pelo grupo de estudo, como responsáveis por essa desarticulação, estavam vinculados ao campo de estágio, à ausência da referência do enfermeiro e à política recessiva de saúde do país.
A "interferência na vida familiar" é apontada em 11,54% como fator desgastante da QVT. Como o professor é remunerado apenas pelas horas que desenvolve trabalho com seus alunos, o preparo, a correção de atividades, a própria capacitação, mostra a necessidade de que se realizem no tempo destinado à família, gerando descontentamento e desgaste.
No que tange à "remuneração", também com 11,54%, pode ser uma condição potencializadora ou desgastante, dependendo da referência que se tenha. No estudo foi apontado como fator negativo. E, por último, ainda com 11,54%, temos os aspectos "didático-pedagógicos" como condição desgastante. É interessante notar que as dificuldades mencionadas pelos sujeitos da pesquisa convergem para problemas de infra-estrutura e material didático. Talvez a minimização dessa situação pudesse ocorrer utilizando uma construção coletiva, onde muitos dos problemas didático-pedagógicos poderiam ser sanados a partir de um Projeto Político Pedagógico - PPP - elaborado de maneira clara, concisa e concernente com os princípios que regem a Universidade em questão.
Para esse grupo de docentes, os fatores desgastantes da QVT seriam em maior escala aqueles que se relacionam ao regime de trabalho, seguido pela relação teoria/prática, interferência na vida familiar, remuneração e aspectos pedagógicos, lembrando que esses quatro últimos se encontram no mesmo patamar.
No modelo(7) concebido neste estudo, os processos saúde-doença manifestam-se nas contradições entre as condições favoráveis e as desgastantes, captadas, neste estudo, no momento produtivo.
O perfil saúde-doença evidenciado por esses processos e gerador de QVT foi expresso pelos docentes, no que diz respeito às manifestações favoráveis e desfavoráveis no seu corpo biopsíquico. Assim, apenas um docente relatou a resposta potencializadora em seu momento produtivo, ou seja, apresentou os aspectos relacionados à satisfação no trabalho, como podemos observar:
Quando eu encontro situação favorável, na verdade eu não tenho uma resposta. É um total estado de disposição, de ânimo, dá até aquele brilho no olhar (E1).
A disposição, o ânimo, o brilho no olhar foram indicadores que favorecem a saúde e a vida. As condições desfavoráveis geradoras desse processo saúde-doença foram referentes às manifestações psicossomáticas e psicoemocionais.
Na Tabela 4 podemos visualizar que as manifestações psicossomáticas (57,14%) apresentam maior freqüência quando comparadas às psicoemocionais (42,86%).



Para os sujeitos desse estudo, o corpo tem sinalizado sua vulnerabilidade na área cardíaca, respiratória, muscular, passando pela gastrintestinal e pelas doenças oportunistas, como pode ser observado:
Ver o que está errado e não conseguir consertar, isso me deixa muito estressada, me deixa taquicárdica (E3).
No meu caso específico o meu órgão de descarga é o sistema digestivo. Então eu tenho uma gastritizinha que de vez em quando ela me incomoda (E1).
As manifestações psicoemocionais (ansiedade, cansaço extremo, crises de choro, etc.) também revelam premissas de opressão mental, as quais alteram o equilíbrio emocional do indivíduo e conseqüentemente a QVT, como apontadas a seguir:
Eu durmo bem, eu como bem, mas passo o dia extremamente ansiosa (E7).
Então essas coisas acabam dando um cansaço extremo (...) (E10).
Alguns autores(13), ao explicitarem como o trabalho determina a saúde, o fazem através do conceito de adaptação e sistematizam a relação entre trabalho e saúde utilizando-se dos conceitos de cargas e desgaste. As cargas de trabalho são os elementos que interagem entre si e o corpo do trabalhador gerando processos de adaptação que são destruidores da capacidade corporal, ou seja, processos de desgaste. O desgaste é entendido como a perda da potencialidade física e psíquica, determinada pela exposição dos trabalhadores às cargas de trabalho.
Nesse referencial, um estudo(14) evidencia que, para o trabalhador de enfermagem em uma instituição de saúde, os problemas de saúde apresentados são gerados pela exposição desses trabalhadores a uma diversidade de cargas, ou seja, biológicas, físicas, químicas, mecânicas, fisiológicas e psíquicas.
No processo de trabalho ensinar, vivenciado pelos docentes desse estudo, o trabalho como determinante do processo saúde-doença, expõe na sua quase totalidade esses trabalhadores às cargas psíquicas. Poucos problemas de saúde são decorrentes da exposição às outras cargas como biológica e fisiológica, mesmo assim mantendo a interação com as cargas psíquicas.
Em síntese, a QVT do docente de enfermagem é expressa por diversos problemas de saúde que permitem evidenciar que os fatores desgastantes se sobrepõem aos fatores potencializadores.
Embora o investimento na capacitação do corpo docente ser salientado, o regime de trabalho associado ao sistema hora/aula mostra a fragilidade institucional, considerando a sua repercussão sobre a QVT dos docentes de enfermagem.
Assim, evidenciamos a importância da implementação de uma política institucional que explicite valores e interesses básicos, que reflita o investimento em melhores condições de trabalho.
Acreditamos, ainda, ser importante a implantação de um Projeto Político Pedagógico, construído coletivamente, que contemple o investimento na carreira docente e que possibilite minimizar o desgaste desse grupo de trabalhadores, na busca QVT por eles desejada.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Recebido em: 16.1.2003 Aprovado em: 18.7.2003


1 Trabalho extraído da Dissertação de Doutorado "Qualidade de vida no trabalho em enfermagem: percepção de enfermeiros docentes de uma universidade privada", Programa Interunidades de Doutorado em Enfermagem da Escola de Enfermagem/Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo, 2002

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