quarta-feira, junho 17, 2009

DOCÊNCIA DO ENSINO SUPERIOR II: O ENFERMEIRO PROFESSOR E A DOCÊNCIA UNIVERSITARIA

O ENFERMEIRO PROFESSOR E A DOCÊNCIA UNIVERSITÁRIA

Malvina Thais Pacheco Rodrigues
José Augusto de Carvalho Mendes Sobrinho

Introdução
Revendo alguns textos sobre o ensino nos cursos superiores no Brasil, como os elaborados por Batista (2005); Silva, Gomes e Rodrigues (2004) e Faria e Casagrande (2004)é observado que, ainda hoje, o que predomina na formação universitária é a lógica tecnicista, aênfase no saber e no saber-fazer. No Curso de Graduação em Enfermagem não é diferente. Esta situação é evidenciada no fato de que, até bem pouco tempo, bastava ser um especialista competente para exercer a docência superior. Consequentemente, se os novos profissionais exercerem com técnica e rigor sua profissão está cumprida a função da universidade. Entretanto, observa-se a necessidade de uma educação que possibilite o desenvolvimento contínuo de pessoas e da sociedade. Não é mais possível formar profissionais com o ensino voltado somente para a racionalidade técnica. É necessária a busca de uma prática docente que possibilite aos alunos desenvolverem um pensamento reflexivo através da valorização da criatividade, da reflexão e participação, condições indispensáveis para a inserção social e construção da cidadania. Em meio às mudanças dos paradigmas educacionais e a necessidade de adaptação a essas transformações, o Curso de Enfermagem, assim como os demais cursos da área da saúde, enfrentam um problema: a maior parte dos professores não tem formação pedagógica. Reis, Gomes e Rodrigues (2004, p.132) afirmam que “Logo, eles ainda ‘ensinam a fazer’, como fizeram com eles, e transmitem o conteúdo que receberam, geralmente, da forma como receberam”. Pimenta e Anastasiou (2005) afirmam que profissionais de diversas aéreas adentram do campo da docência do ensino superior como decorrência natural de suas atividades e por razões e interesses variados e, na maioria das vezes nunca se questionaram Enfermeira, especialista em Saúde Pública e em Formação Pedagógica em Educação Profissional na Área de Saúde: Enfermagem. Mestranda em Educação pela Universidade Federal do Piauí. Professor Adjunto da Universidade Federal do Piauí/ CCE/PPGED. Doutor em Educação (UFSC) sobre o que é ser professor.
Dessa forma, atuam no ensino superior sem terem sido preparados para o desempenho da docência. Neste sentido é necessário repensar o papel do docente universitário enfermeiro e como este articula sua prática pedagógica no sentido de atender as novas funções que a educação impõe. Nessa perspectiva, o papel do professor universitário deve ser repensado a partir de três competências para a docência no ensino superior: ser competente em uma área de conhecimento; possuir domínio da área pedagógica e exercer a dimensão política na prática da docência universitária. A primeira delas se refere ao domínio dos conhecimentos básicos da área e á experiência profissional do campo. A segunda envolve o domínio do conceito de processo-aprendizagem, integrando o desenvolvimento cognitivo, afetivo-emocional e de habilidades, bem como a formação de atitudes, abrindo espaços para a interação e a interdisciplinaridade. A terceira abrange a discussão, com os alunos, dos aspectos políticos e éticos da profissão e do seu exercício na sociedade, para que nela possam se posicionar como cidadãos e profissionais (MASETTO, 2001 apud REIS; GOMES; RODRIGUES, 2004, p. 138). Assim, buscamos através da revisão da literatura refletir sobre a necessidade da formação pedagógica do enfermeiro professor em virtude da adequação desta formação as novas demandas educacionais propostas pelas diretrizes curriculares do Curso de Graduação em Enfermagem.
A discussão será apresentada em dois tópicos: Docência em Enfermagem: aspectos históricos e Tendências Atuais na Formação do Professor Universitário. Medeiros, Tipple e Munar (1999) afirmam que a criação da Escola Profissional de Enfermeiros e Enfermeiras do Hospital de Alienados, no Rio de Janeiro, em 1890, foi a primeira iniciativa oficial no que se refere ao ensino profissional de Enfermagem no Brasil. Essa escola foi criada em decorrência do rompimento das relações entre a Igreja e o Estado quando na ocasião da Proclamação da República. Então, as irmãs de caridade, que eram responsáveis pela administração do hospital, abandonaram o serviço e os médicos assumiram o poder. Dessa forma, em virtude da falta de mão de obra para assumir os trabalhos foi apontada à possibilidade de resolução desse problema com a criação de uma escola para formar enfermeiros e enfermeiras. O Decreto 791/1890 fixava os objetivos da escola, currículo, duração do curso, condições de inscrição e matrícula, título conferido, garantia de preferência de emprego e etc. Era exigido dos candidatos no mínimo saber ler e escrever, conhecer aritmética e apresentar atestado de bons costumes. Entretanto, este decreto não contemplava recursos para viabilização e concretização desta instituição de ensino. Esta escola foi posteriormente denominada de Escola de Enfermagem Alfredo Pinto, hoje unidade da Universidade do Rio de Janeiro (MEDEIROS, TIPPLE E MUNAR, 1999). Com a primeira Guerra Mundial e a necessidade de melhorias nas condições de assistência aos feridos foi criado no Brasil em 1916, a segunda Escola de Enfermagem: Escola da Cruz Vermelha. Segundo Paixão (1979), o caráter da instituição era caritativo, semelhantes às atividades prestadas por instituições cristãs.
Consequentemente, a prática da enfermagem que sempre esteve ligada às atividades de caridade, abnegação e sacrifício foi campo de atuação para a Cruz Vermelha. Em 1923, em um momento histórico em que o Brasil sofria com as epidemias (varíola, febre amarela etc.) era necessário estruturar os serviços de saúde no Brasil de forma a se adequarem às necessidades capitalistas. Desse modo, foi criada, por iniciativa governamental, a Escola de Enfermagem do Departamento Nacional de Saúde Pública (MURAKAMI, 1996).
Medeiros, Tipple e Munar (1999) afirmam que somente após 36 anos da criação das primeiras escolas de enfermagem é que foi institucionalizado o ensino de Enfermagem no Brasil por meio do Decreto 17.268/1926.
Com o Decreto 20.109/1931, a Escola de Enfermagem do Departamento Nacional de Saúde Pública é oficializada e denominada de Escola Ana Néri. A partir deste momento, todas as demais escolas criadas deveriam se equiparar à escola-padrão Ana Néri, para poderem emitir seus diplomas. Em 1937, é considerada instituição complementar da Universidade do Brasil e em 1946 é incorporada a esta Universidade. (MEDEIROS; TIPPLE; MUNAR, 1999). A Escola Ana Néri foi um marco fundamental na Enfermagem Brasileira. Desse modo, a Enfermagem passa a ser reconhecida como um ramo do saber e do trabalho da saúde. Nasce, verdadeiramente, a Enfermagem profissional ou Enfermagem Moderna sendo organizada sob parâmetros próprios, produzindo e sistematizando os conhecimentos necessários as suas atividades práticas e estabelecendo as normas que regulam o seu exercício profissional. A escola aparece em um momento em que o Estado Brasileiro define as primeiras políticas no campo da saúde baseadas em diretrizes definidas e coordenadas por órgãos de saúde especificamente constituídos para o fim de instituir, coordenar e executar ações de saúde de cunho coletivo (PIRES, 1989). Em 1931 foi criado o primeiro curso superior de Enfermagem. Neste ano, o governo instituiu o Estatuto das Universidades Brasileiras, adotando o regime universitário que apresentava como características: reunião de escolas ou faculdades que desenvolviam um curso específico com autonomia na área didática para seleção de seus candidatos, além do gerenciamento dos recursos repassados a este curso; direção por um conselho Universitário composto por representantes de várias escolas ou faculdades e organização dos cursos em função de cadeiras. (ROMANELLI, 1995).
O currículo do Curso de Enfermagem possuía as seguintes características:
• Duração de dois anos e quatro meses, divididos em cinco fases, a última das quais reservada para a especialização Enfermagem clínica, Enfermagem de
Saúde Pública;
• Exigência do diploma de Escola Normal como requisito de entrada facilitando, porém, a admissão dos candidatos que, na falta desse diploma, provassem capacitação para o curso;
• Os quatro primeiros meses correspondiam ao período probatório das escolas norte-americanas, sendo essencialmente teórico;
• A prestação de oito horas diárias de serviço ao hospital era obrigatória, com direito a residência mensal e duas meias folgas por semana. (MEDEIROS; TIPPLE; MUNARI, 1999, p.6)

Em 1962, com o processo do CFE nº 271/62 o currículo do curso de Enfermagem passou por profundas modificações sendo priorizado o caráter curativo. Os hospitais foram considerados como centros hegemônicos da assistência à saúde (DILLY; DE JESUS, 1995). Hoje, o ensino da graduação em Enfermagem é conduzido pelas Diretrizes Curriculares Nacionais, que propiciam uma formação contemporânea, contextualizada e dinâmica, pautada na indissociabilidade de ensino, pesquisa e extensão, gerando um enfermeiro generalista, crítico e apto a atuar em todas as dimensões do cuidado como promotor da saúde do cidadão, da família e da comunidade.
As Diretrizes Curriculares dos Cursos de Graduação em Enfermagem (Resolução CNE/CES Nº 1133), afirma que estes cursos devem ter um Projeto Pedagógico – PP, construído coletivamente, centrado no aluno como sujeito da aprendizagem e apoiado no professor como facilitador e mediador do processo ensino-aprendizagem. Afirma ainda que a estrutura dos cursos de graduação em Enfermagem deverá assegurar a implementação de uma metodologia no processo ensinar–aprender que estimule o aluno a refletir sobre a realidade social e aprenda a aprender (BRASIL, 2001).
Dessa forma, Brasil (2001) assegura que o egresso do curso de enfermagem deve ter uma formação generalista, humanista, critica e reflexiva regulada por princípios éticos.
Para tanto, além de ser um profissional com uma formação com base no rigor técnico e cientifico deve desenvolver competências ético-políticas. Assim, o currículo em vigor do Curso de Graduação em Enfermagem da Universidade Federal do Piauí (1997) destaca que o processo de formação do Enfermeiro deverá ter como base conceitual e referencial alguns princípios, dentre eles destacamos: O entendimento de que a educação para a transformação, concebe o aluno como construtor do seu conhecimento, a partir da reflexão e indagação de sua prática, é uma linha pedagógica que pode permitir ao enfermeiro comprometer-se com a solução dos problemas da sociedade que atuará. Observamos, dessa forma, que temos o dispositivo legal necessário para formar um profissional crítico, reflexivo com comprometimento ético e humano. Entretanto, somente o dispositivo legal não é o suficiente para alterar a prática pedagógica. È necessário à formação pedagógica do enfermeiro professor. Reis, Gomes e Rodrigues (2004) afirmam que são raros os docentes preparados didaticamente, e qualificados, simultaneamente, para exercer a docência conforme o preconizado pelas diretrizes político-pedagógicas. Tendências atuais na Formação do Professor Universitário, o desempenho e o desenvolvimento profissional do professor tem sido objeto de análise e estudos a partir do movimento de transformação do ensino superior no Brasil. Atualmente, espera-se do docente universitário que ele forme profissionais competentes e comprometidos socialmente. Deste modo, Farias e Casagrande afirmam que:
[...] deve haver condições de capacitação, qualificação e desenvolvimento do corpo docente, para que o processo de ensino aprendizagem seja mais efetivo, no que diz respeito à área pedagógica, à perspectiva político-social e à pesquisa (2004, p. 4).
Dessa forma, a reflexão acerca da formação pedagógica do docente enfermeiro é essencial devido à complexidade da prática profissional inserida na tarefa da educação. Batista (2005) afirma que, em geral, a docência em saúde é considerada secundária deixando de reconhecer a existência de uma relação entre ensino, aprendizagem e assistência bem como de ser discutida as especificidades dos cenários do processo ensino-aprendizagem e seus atores: professor, aluno, pacientes, profissionais de saúde e comunidade. De acordo com Isaia e Bolzan (2004) os professores assumem os encargos docentes respaldados em tendência natural e ou em modelos de mestres que internacionalizaram em sua formação inicial bem como ao exercício da sua prática como profissional em uma atividade específica que não a da docência superior. A formação do docente em enfermagem deve ser consolidada com base no domínio de conhecimentos científicos e na atuação investigativa no processo de ensinar e aprender, recriando situações de aprendizagem por investigação do conhecimento de forma coletiva com o propósito de valorizar a avaliação diagnóstica dentro do universo cognitivo e cultural dos acadêmicos como processos interativos. Pimenta e Anastasiou (2005) afirmam que “a sua tarefa é garantir que se apropriem do instrumento científico, técnico, tecnológico, de pensamento, político, social e econômico, de desenvolvimento cultural, para que sejam capazes de pensar e gestar soluções”.
Nesse sentido, Freire (1996) afirma que: “Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar possibilidades para a sua própria produção ou sua construção” (p. 25). Diz ainda que a educação deva ser feita em profunda interação educador-educando, voltada especialmente para a reelaboração dos conhecimentos e habilidades aprendidas e a produção de novos conhecimentos. Para tanto devem ocorrer ações como a reflexão crítica, a curiosidade científica, a criatividade e a investigação dentro da realidade do educando, tendo o professor a responsabilidade de articular metodologias de ensino caracterizado por uma variedade de atividades estimuladoras da criatividade dos alunos. A prática docente deve superar o ato de transmitir informações. O professor precisa assumir um lugar de mediador no processo ensino-aprendizagem de forma que os alunos ampliem suas possibilidades humanas de conhecer, duvidar e interagir com o mundo através de uma nova maneira de educar.
Segundo Batista (2005) àquele modelo de ciência que tem como base a compartimentalização do conhecimento em disciplinas, fragmentando o saber e estabelecendo dicotomias em torno das relações entre teoria e prática, razão e emoção, pensar e fazer deve ser abandonado já que não atende as transformações da sociedade. É preciso ampliar as possibilidades humanas de criatividade e interrogação buscando o desenvolvimento contínuo de pessoas e da sociedade. Neste contexto, a formação pedagógica do professor é um meio essencial de superação deste modelo tradicional de ensino.
Neste contexto, historicamente tem sido atribuída á pós-graduação a responsabilidade de formar este docente através da disciplina Metodologia do Ensino Superior. Pimenta e Anastasiou (2005) afirmam que esta tem sido, para muitos, a única oportunidade de uma reflexão sistemática sobre o exercício da docência. Afirmam também que esta disciplina tem carga horária reduzida, geralmente limitada à 60h, e nem sempre é ministrada por profissionais que dominam os saberes necessários a docência. Dessa forma, essa estratégia não tem respondido as necessidades de formação do professor. No atual cenário educacional, um conceito muito utilizado por formadores de professores e educadores para que sejam referenciadas as novas tendências de formação de professores é a reflexão. De acordo com Nóvoa (1995), a reflexão é definida como o processo no qual os professores aprendem a partir da análise e interpretação da sua própria atividade, ou seja, a profissão de professor conduz a criação de um conhecimento específico adquirido através da prática.
Conceito semelhante de reflexão é apontado por Costa (2003, p.37) quando afirma que a reflexão “É uma maneira de encarar os problemas e responder a eles, uma maneira de ser professor, que implica intuição, emoção e paixão. Não é um conjunto de técnicas que possa ser empacotado e ensinados aos professores’’.
Nesse sentido, entendemos que reflexão constitui-se um processo em que o professor avalia constantemente sua prática através da auto-observação e, consequentemente, modifica sua atitude. Assim, Freire (1996) afirma que no desenvolvimento docente “o momento fundamental é o da reflexão crítica sobre a prática. É pensando criticamente sobre a prática de hoje ou de ontem que se pode melhorar a próxima prática” (p. 43).
Dessa forma, a formação como processo de reflexão envolve o exame constante das próprias experiências, o diálogo crítico com as teorias pedagógicas e o reconhecimento de que a postura reflexiva deve marcar o trabalho docente. Portanto, precisa ser explorada no processo de formação do professor, uma vez que favorece a construção da autonomia para identificar e superar as dificuldades do cotidiano (ZEICHER, 1993).
Para melhor entendimento dessa formação profissional reflexiva iremos alicerçar nossa discussão considerando os estudos de Freire (1996), Tardif (2002) e Perrenoud (1993). Freire (1996) indica os saberes importantes na profissão do professor, vinculados aos saberes mobilizado na prática. Ele afirma que é preciso que o docente assuma-se como sujeito da produção do saber e se convença que ensinar é criar possibilidades para a produção e/ou construção do conhecimento. Para tanto, diz que ensinar exige: rigorosidade metódica, pesquisa, respeito aos saberes do educando, criticidade, estética e ética, risco, aceitação do novo, rejeição à discriminação, etc. Tardif (2002) repensa a formação dos professores levando em conta os saberes dos professores e as realidades específicas do trabalho cotidiano. Propõe um modelo de formação reconhecendo o professor como um profissional produtor de saberes. Entende o saber docente como aquele formado pela associação, mais ou menos coerente, de saberes oriundos da: formação profissional, transmitidos pelas instituições de formação de professores; disciplinares, que correspondem aos diversos campos do conhecimento; curriculares, das instituições escolares, compreendem os discursos, objetivos, conteúdos e métodos que os professores devem aprender a aplicar; e os experiênciais, baseados no seu trabalho cotidiano, brotam da experiência e são por ele validados. Tardif (2002) considera os saberes experiênciais como núcleo vital do saber docente. A partir dele os professores tentam transformar suas relações de exterioridade com os saberes em relações de interioridade com sua própria prática. Logo, os saberes experiênciais tem origem na prática cotidiana dos professores em confronto com as condições da profissão. Dessa forma, é formado por todos os demais saberes, porém validados pelas certezas construídas na prática e na experiência. Neste sentido, a prática cotidiana da profissão não favorece apenas o desenvolvimento de certezas “experiênciais”, mas permite também uma avaliação dos outros saberes, através da sua retradução em função das condições limitadoras da experiência. Assim, a prática constitui um processo de aprendizagem através da qual os professores retraduzem sua formação e a adaptam á profissão, eliminando o que lhes parece inutilmente abstrato ou sem relação com a realidade vivida e conservando o que pode servi-lhes de uma maneira ou de outra.
Assim, esse autor aponta características dos saberes profissional: a) temporais, adquiridos através do tempo; b) plurais e heterogêneos, provêm de diversas fontes, não formam um repertório de conhecimentos unificados e procuram atingir diferentes tipos de objetivos; c) personalizados e situados, cada professor é diferente e suas ações carregam marcas dos contextos nos quis se inserem; d) carregam marcas do ser humano visto que o objeto de trabalho do professor é o ser humano. Dessa maneira,
Enquanto profissionais, os professores são considerados práticos refletidos ou “reflexivos” que produzem saberes específicos ao seu próprio trabalho e são capazes de deliberar sobre suas práticas, de objetivá-las e partilhá-las, de aperfeiçoá-las e de introduzir inovações susceptíveis de aumentar sua eficácia. A prática profissional não é, vista assim, como um simples campo de aplicação de teorias elaboradas fora dela [...]. Ela torna-se um espaço original e relativamente autônomo de aprendizagem e de formação para os futuros práticos, bem como um espaço de produção de saberes e de práticas inovadoras pelos professores experientes. Esta concepção exige, portanto, que a formação profissional seja redirecionada para a prática e, por conseguinte, para a escola enquanto lugar de trabalho dos professores (TARDIF, 2002, p. 286,). Observa-se que o modelo de formação apontado pelo referido autor rompe com o paradigma tradicional. È proposto um encontro entre a teoria e a prática de forma a se completarem o que resulta em uma prática pedagógica crítica, reflexiva e transformadora. Dessa forma, para este modelo ser colocado em ação é necessário que haja transformações importantes nas práticas vigentes em matéria de formação de professores, seja na formação inicial ou contínua quanto em termos de pesquisa. Sendo assim, a formação geral e disciplinar não pode mais ser concebida sem a articulação com a formação prática. Neste sentido, a inovação, o olhar crítico, a “teoria” devem estar vinculados aos condicionantes e ás condições reais de exercício da profissão e contribuir assim, para a sua evolução e transformação (TARDIF, 2002).
Nesse contexto, Perrenoud (1993) também propõe um modelo de formação de professores que ultrapassa o processo pedagógico que se limita ao treinamento técnico. È proposto uma formação que propicie uma verdadeira autonomia do docente.
Para o referido autor a formação dos professores deve ser elaborada de acordo com três eixos: 1) prática entre a rotina e a improvisação regulada; 2) a transposição didática entre a epistemologia e bricolage; 3) o tratamento das diferenças entre indiferença e diferenciação. No primeiro eixo o autor afirma que a profissão é composta por rotinas que o docente põe em ação de forma relativamente consciente, mas sem avaliar o seu caráter arbitrário, logo sem a escolher e controlar verdadeiramente. Tendo em consideração a urgência e o caráter impensável da prática, o professor realiza coisas que desconhece ou que prefere não ver. O segundo eixo diz respeito á transposição didática. O saber, para ser ensinado, adquirido e avaliado sofre transformações: segmentação, cortes, progressão, simplificação, tradução em lições, aulas e exercícios. Perrenoud (1997, p.24) afirma que “ensinar é fabricar artesanalmente os saberes tornando-os ensináveis, exercitáveis e passíveis de avaliação no quadro de uma turma, de um ano, de um horário de um sistema de comunicação e trabalho”. No terceiro eixo é apontada a necessidade de trabalhar as diferenças. Afinal, seja qual for o grau de seleção, ensinar é confrontar-se com um grupo heterogêneo no que se refere à personalidade, cultura, atitudes, projetos, etc. Segundo Perrenoud a boa formação não é o suficiente para ensinar bem. São necessários outros requisitos:
1. que a formação prepare as pessoas não só a seguir ideais, mas a conserva-los face ás imposições concretas da prática;
2. que a formação, enquanto mensagem prescritiva, não seja constantemente desmentida pelas outras mensagens que os professores recebem;
3. que o funcionamento do sistema escolar sela tal qual que os professores tenham um interesse pessoal em pôr em prática a formação recebida
(1993, p.99).
Sendo assim, de acordo com Perrenoud (1993), pensar a formação inicial é pensar a prática pedagógica, a profissão, a carreira, as relações de trabalho e de poder nas organizações escolares, a parte da autonomia e de responsabilidade conferida aos professores, individual ou coletivamente. O papel da formação inicial pode variar segundo a tendência dominante num quadro de processo de profissionalização ou proletarização. Referente à profissionalização, a formação prepara os futuros professores para se questionarem, identificar e resolver os problemas. Propicia a reflexão sobre a prática de cada professor. Configura-se como um modelo de verdadeira autonomia do professor. No quadro da proletarização, a formação prepara para seguir os modelos didáticos pensados por outros e regulamente postos em dia a partir do centro. Os questionamentos e a reflexão não fazem parte deste modelo ficando evidente à dependência relativa á esfera dos especialistas. Dessa forma, para o desenvolvimento de um ensino reflexivo, faz-se necessário que os professores tenham domínio de suas atividades. Para tanto, é essencial que o professor tenha uma mentalidade aberta, visto que, no seu cotidiano, há problemas para serem intermediados por ele. Por outro lado, precisará ter a responsabilidade intelectual, pois esta assegura a integridade e o entusiasmo responsáveis pela capacidade de renovação. É, pois, na prática reflexiva que o conhecimento se produz e este é o saber do docente constituído ao longo do processo histórico de organização e elaboração pela sociedade.
Neste sentido, as práticas de formação que estão em torno dos professores devem contribuir para a emancipação profissional e para a consolidação da produção de seus saberes e valores.

Considerações Finais
Esta reflexão sobre a formação pedagógica do enfermeiro professor permite apresentar as seguintes conclusões finais:
• A formação docente é um processo complexo, pois sofre interferência das questões sociais, econômicas e políticas;
• É preciso superar a forma tradicional voltada somente para a formação de profissionais técnicos;
• Somente o dispositivo legal não é suficiente para alterar a prática pedagógica;
• A formação se constrói através de um trabalho de reflexividade crítica sobre a prática. Esta análise leva-nos a repensar a formação e refletir como podemos contribuir para a consolidação de uma prática pedagógica pautada no principio da autonomia, reflexão, interdisciplinaridade e da integração no ensino da Enfermagem;
• Não podemos formar enfermeiros generalistas, críticos e reflexivos sem que os enfermeiros professores tenham uma adequada formação;
• É necessário maior investimento na formação do enfermeiro professor para que o processo ensino-aprendizagem seja mais efetivo;
• A formação do docente enfermeiro precisa ser redirecionada de forma que esteja baseada na reflexão sobre a prática cotidiana considerando o professor como um pesquisador da própria prática;
• Uma das formas de suplantar a situação atual é o estabelecimento de programas de formação continuada na perspectiva da ação-reflexão-ação e que considere o coletivo, o saber experiencial, o ciclo de vida do professor e a universidade como o lócus de formação.

Referências
BATISTA, N.A. Desenvolvimento docente na área da saúde: uma análise. Trabalho, Educação e Saúde, São Paulo, n.02, v.03, p.283-294, 2005.
BRASIL. Resolução CNE/CES nº 1133, de 01 de outubro de 2001. Diário Oficial da União, Brasília, 03 out. 2001. Seção 1E, p. 131.
COSTA, F.N.A. Visitando a prática pedagógica do enfermeiro professor. São Carlos: Ruma, 2003.
DILLY, C.M.L.; DE JESUS, M.C.P. Processo educativo em Enfermagem: das concepções pedagógicas à prática profissional. São Paulo: Robe, 1995.
FARIA, J.I.L.; CASAGRANDE, L.D.R. A educação para o século XXI e a formação do professor reflexivo na Enfermagem. Revista Latina-Americana de Enfermagem, Ribeirão Preto, vol.12, n.05, set./out. 2004.
FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários á prática educativa. 19. ed. São Paulo: Paz e terra, 1996.
GOMES J.B.; CASAGRANDE, L.D.R. A educação reflexiva na pós modernidade: uma revisão bibliográfica. Revista Latino-Americana de Enfermagem, São Paulo, V. 10, n.05, p 696-703, 2002.
ISAIA, S.M.A.; BOLZAN, D.P.V. Formação do professor do ensino superior: um processo que se aprende? Revista Educação, Santa Maria (RS), V. 29, n.02, 2004. Disponível em: . Acesso em: 16 jul.2006.
NÓVOA, A. (Coord.). Os professores e sua formação. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1995.
PERRENOUD, P. Práticas pedagógicas, profissão docente e formação: perspectivas sociológicas. Lisboa: Dom Quixote, 1993.
PIMENTA, S. M.; ANASTASIOU, L.G.C. Docência no ensino superior. São Paulo: Cortez, 2005.
REIS, S.M.A.; GOMES, V.L.; RODRIGUES, M.M. A docência nos cursos superiores na área
da saúde. Ícone Educação, Uberlândia, n.1/2, v.10, p.131-144, jan./dez., 2004.
TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis: Vozes, 2002.
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUI. Departamento de Enfermagem. Currículo do
curso de Enfermagem. Teresina, 1997.
ZEICHNER, K.M.A. A formação reflexiva de professores: idéias e práticas. Lisboa: Educa,
1993.

Nenhum comentário: